quinta-feira, 7 de março de 2024

Casa
























Casa | Carson Ellis | Orfeu Negro


Já aqui escrevemos várias vezes sobre o nosso fascínio por casas. Gostamos de as observar, de as fotografar, de imaginar como são por dentro. Como se fosse um jogo, buscamos pormenores que nos revelem os segredos de quem as habita. Tentamos adivinhar-lhes a intimidade, os mistérios que podem esconder, as infinitas histórias ainda por contar. Quando viajamos, trazemos na bagagem centenas de fotografias de casas. Depois, imaginamos como seria viver nesta ou naquela... A paixão estende-se, claro, aos livros sobre casas.









































O livro de Carson não é excepção. Neste, que foi o seu livro estreia como autora de texto e de ilustração, presenteia os leitores com  uma espécie de viagem por casas do mundo. No conforto da nossa própria casa, somos convidados a visitar casas no campo, na cidade, palácios, cavernas, casas de animais e até, uma agitada  casa-sapato! São casas reais e casas imaginadas.








































Página a página, vamos identificando alguns dos lugares do mundo onde se situam. Alguns por menção expressa do texto, outros pela existência de múltiplos elementos que nos permitem identificá-los. O grande formato do livro indicia que a viagem será grande. Há muito para ver. Há casas na terra, no mar, na árvore, na lua e até casas que andam às costas... 
Todas são a casa de alguém. O conceito de lar, de aconchego, é-nos mostrado antes mesmo da narrativa começar, através da metáfora visual do ninho do pássaro.







































Há casas altas e baixas. Há as arrumadas e as desalinhadas. As óbvias e as enigmáticas, que levam o leitor a interrogar-se sobre quem poderá ali viver. A esta altura, já entrámos em casas de deuses, de duquesas, de ferreiros, de guaxinins... 







































Esta é uma narrativa predominantemente visual, rica em detalhes que, cedo,  nos levam a pensar que habitaremos várias vezes este livro. Demoramo-nos em cada casa.  Há personagens e detalhes espalhados por todo o lado a exigir um olhar atento, uma e outra leitura.
As magníficas ilustrações, que nos deslumbram na sua paleta de tons sépia, vermelho-tijolo e cinzas azulados, são acompanhadas por pequenos apontamentos de texto em jeito de  legendas. 







































A pergunta impõe-se e a autora não deixa de a fazer quando questiona diretamente o leitor sobre a sua casa. Com um final delicioso, para deleite do leitor, Carson leva-nos proporciona-nos uma visita guiada ao seu estúdio e descobrimos que a sua casa foi também a primeira em que entrámos.








































Costumamos afirmar que um livro é uma casa. Um lugar onde sempre queremos viver. Este é uma grande e elegante casa. Que habitamos uma e outra vez. Sintam-se convidados.


quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

Esta História
























Esta História | David Machado e João Fazenda | Caminho


Quem não conhece aquela sensação de tentar contar uma história, sendo sistematicamente interrompido? Contadores de histórias, pais, professores... todos já vivenciámos esses momentos em que a criança manifesta o seu total  desinteresse pela história que escolhemos para ela.
Não é coisa rara aqui, na livraria, ouvir os adultos relatarem a sua frustração por terem comprado um livro de que gostam muito, mas ao qual  a criança não deu qualquer importância. 
- O livro é magnífico, adoro este autor, a história é fantástica... mas o meu filho não lhe prestou a mínima atenção. 







































É para um desses cenários que esta divertida e hilariante história nos transporta. O diálogo entre o adulto e a criança atravessa todo o livro. O primeiro vai tecendo considerações sobre a história, os seus atributos e a forma como ela poderá interagir e até moldar o imaginário da criança. Na página seguinte, indiferente às considerações tecidas, a criança vai questionando se a história contém alguns dos "ingredientes" que são do seu interesse. A intensidade do diálogo vai crescendo a cada virar de página. O adulto não poupa nos argumentos para convencer a criança. Maravilhosa, inspiradora, repleta de beleza e de harmonia, são apenas algumas das qualidades enumeradas para a sua escolha. Alheio à argumentação, a criança não desarma. Por oposição, vai questionando, em crescendo, sobre "temáticas" que verdadeiramente lhe interessam. Cocó, ranho, vomitado, chulé, arrotos, ideias escanifobéticas, facas, pistolas, crianças mentirosas, vacas vesgas...







































Serão, provavelmente, muitos os adultos que não hesitarão em rotular as questões levantadas pela criança como disparatadas e impensáveis numa ""boa" história. Mas este é um tema recorrente. Nem sempre as histórias preferidas das crianças são aquelas de que o adulto faz apanágio. O que só por si é mais do que razão suficiente para nos questionarmos sobre o que lhes damos a ler e os critérios das nossas escolhas.
Neste livro, a resposta do adulto é , obviamente, sempre negativa. Mas o resultado não deixa de ser uma história hilariante, capaz de arrancar sonoras gargalhadas a leitores de todas as idades. Ou não fosse ela assinada por uma dupla de peso.








































Com mestria, as ilustrações de Fazenda evidenciam as duas posições em confronto. A escolha de um fundo branco e desenhos minimalistas para as páginas em que o adulto enaltece a qualidades da história não é inocente. A sobriedade ostentada parece acompanhar a ideia do adulto de que esta história pode ser o caminho certo para a vida se tornar mais simples, bela e harmoniosa. Por contraposição, as páginas em que a criança vai criando o seu universo de eleição enchem-se de cores fortes, de personagens, algumas das quais personificam o próprio disparate, de acção, de movimento. 





 


































Esta história é um livro divertido e hilariante. Mas não só. Entre risos de miúdos e graúdos, dá que pensar. Afinal, uma história para os mais pequenos não é isso mesmo? Uma boa dose de gargalhadas, polvilhadas com grande sentido de humor e uns belos disparates que elas tanto apreciam? Abram o livro e reflictam enquanto comem bolachas.

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Esta História Não é Sobre Uma Gatinha

 












Esta História Não É Sobre Uma Gatinha | Randall de Sève e Carson Ellis | Fábula


O título deixa o leitor, no mínimo, curioso. Se a história não é sobre uma gatinha, o que faz esta bichana de olhos doces e ar de Calimero a olhar-nos fixamente na capa? Ainda que informados sobre o seu não protagonismo e, antes mesmo de abrir o livro, aos olhos do leitor ela já assumiu o papel principal.













Ao abrir o livro, o leitor dá por si numa zona residencial onde as casas quase se colam umas às outras e as rotinas dos moradores se adivinham. Os detalhes estão todos por ali. Carros e bicicletas estacionados às portas, caixotes do lixo...




À medida que percorre as ruas, ou melhor, as páginas, vai ficando a saber sobre o que não reza a história. Já sabemos que não é sobre a gatinha. Também não é sobre o cão que parou quando ouviu a gatinha miar, nem sobre as pessoas que passeavam o cão, nem sobre todas as outras que se solidarizaram para salvar a gatinha faminta e suja, assustada e sozinha, que miava tristemente, precisando de um lar.






















Com uma estrutura acumulativa, vivendo da repetição e acrescentando sempre novos elementos  a cada virar de página, a história vai prendendo o leitor e aguçando-lhe a curiosidade. Não só por saber o destino da faminta e assustada gata mas, acima de tudo, sobre o que será, afinal, esta história. Sério, não é mesmo sobre esta gatinha?














O leitor acompanha todas as diligências que se sucedem para a operação de resgate. Desde o inicio que percebe que o pequeno animal se encontra debaixo de um carro, ainda que o texto não lho diga expressamente. Torce para que todas e cada uma das pessoas que vão chegando sejam bem sucedidas. E exulta quando a pequena gata é retirada dali, alimentada e até... baptizada. 













A história pode não ser sobre a gatinha, mas é, seguramente, sobre o poder que ela tem de transformar uma comunidade de pessoas praticamente desconhecidas num grupo de bons e unidos vizinhos. Porque é do espírito de entreajuda, de solidariedade e de generosidade que fala esta história. A diversidade que atravessa o grupo é revelada ao leitor pelas magníficas ilustrações de Carson. E deixa-nos a pensar que, nos dias que correm, precisamos de mais gatinhas como esta para abrir as portas dos bairros e conhecermos aqueles com quem partilhamos lugares e rotinas de vida.













De uma dupla de autoras bem conhecidas e premiadas, este é um livro capaz de reunir e cativar leitores de todas as idades. Somos fãs do trabalho de Carson (quem não se lembra do seu Ké Iz Tuk) e congratulamo-nos-nos por a ver chegar até nós através de diversas editoras. Mas como na vida, nem tudo nesta história é simples. O que irá acontecer, agora, a esta gatinha? São muitos e de vária ordem os obstáculos elencados por cada um dos seus novos amigos. Conseguirá ela uma família que a adopte? Cabe ao leitor visitar este bairro de gente boa e descobrir o desfecho desta deliciosa história. Miau!


sexta-feira, 15 de dezembro de 2023

Há Festa na Casa dos Hipopómatos

Susa Monteiro
 























Este fim de semana, a Casa dos Hipopómatos celebra o seu 8º aniversário. Sábado e domingo, das 11 às 19H, estaremos à vossa espera. Sempre em festa!


quinta-feira, 23 de novembro de 2023

As Casas das Coisas

 











As Casas das Coisas | João Pedro Mésseder e Rachel Caiano | Caminho


Apresenta-se como um livro de prosas pequeninas que desafia a pensar, e onde a diversão e a poesia dão as mãos. À primeira vista, parece pensado para gente pequena. Mas o leitor conhecedor dos seis livros desta série sabe que não é assim. A escrita méssederiana não tem idade. Já aqui escrevemos, a propósito do autor, que a sua escrita intensa e plena de sentidos é um ponto de encontro entre pequenos e grandes leitores. 























Talvez por falarem  de coisas de todos os dias, os pequenos livros  desta série albergam  o leitor vagarosa e prazenteiramente, impelindo-o a pensar.  Sobre as coisas, sobre a vida. Afinal, esse é o objectivo do autor . As metáforas povoam-lhe o universo, apresentando-se envoltas em subtileza. Assim como algumas das casas que encontra para as coisas.

A casa da luz eléctrica será a escuridão? 

E a areia sem-abrigo terá ela casa? 

Os livros possuem segunda habitação, de férias? 























A delicadeza das ilustrações de Caiano, parceira em todos os livros da série iniciada em 2012, guia-nos por todas estas casas por onde vamos entrando. Com o traço  genuíno e puro a que já nos habituou, as páginas vão revelando uma imensa cumplicidade entre imagens e texto. Uma harmonia que respira liberdade. À semelhança do vento que é casa para o cavalo. 


 





















Quando é que a bruxa má perde a casa? Será, sem dúvida, uma questão que os mais pequenos gostarão de deslindar. Tal como as casas da Lua, da chuva, dos pássaros... Enquanto isso, nós, leitores mais velhos, vagueamos por este universo, reflectindo sobre outras casas.  Como a triste casa do Pai Natal ou a casa que a areia sem-abrigo não tem. Até porque quando iniciámos a viagem, a pergunta já nos ocupava a cabeça : Haverá coisa ou pessoa que não precise de casa, casinha ou casarão?

























É neste livro de prosas pequeninas que encontramos  as outras casas. Aquelas que não são. É também em prosa que o leitor é convidado a construir a sua casa. O poeta, esse, já ergueu a sua. Com sólidos alicerces de poesia. 

















Este sábado, damos casa ao escritor João Pedro Mésseder e à ilustradora Rachel Caiano que virão apresentar As Casas das Coisas, trazendo consigo as guitarras e toda uma parafernália de instrumentos musicais. Estão todos convidados.

quinta-feira, 16 de novembro de 2023

Feijão e a Avó





Feijão e a Avó | Karen Hesse e Charlotte Voake | Orfeu Negro

 

Esta é uma história de cumplicidade entre avó e neto que encantará os leitores mais pequenos. Uma cumplicidade tão forte que resiste até às condições adversas do tempo. Ainda que o dia se apresente sombrio e ventoso, os dois aventuram-se numa ida à praia. E quem não gostará de, fora de época, chegar a uma praia vazia, procurar conchas, fazer castelos na areia, fugir das ondas ou correr pelas dunas? 




Uma narrativa predominantemente visual atravessada por um mar em tons cinzas e castanhos que evidencia o dia sombrio e ventoso.  Espraiando-se na imensidão das duplas páginas, nele sobressaem as figuras dos dois protagonistas. As cores fortes da indumentária de avó e neto, por contraste com as cores pálidas do cenário, captam a atenção do leitor assim que a história se inicia. Os confortáveis agasalhos que vestem dizem-nos que são daqueles que não se deixam intimidar pela chuva dos dias. 



A cumplicidade entre os dois é óbvia. Não precisam de muito para se divertir. Fazer castelos de areia, brincar com a espuma, observar os pássaros... podem ser entretenimentos maravilhosos. Ainda que molhados, atravessar as dunas e vencer "alguns perigos" pode tornar-se uma daquelas sensações que perduram e se tornam memórias indeléveis da infância.

 

O curto texto em rima ajuda à toada deste passeio à beira-mar, que se revela, ao mesmo tempo, destemido e saborosamente relaxante. Pelo que já conhecemos desta avó, sabemos que ela jamais se esqueceria da cereja no topo do bolo. O descanso merecido é acompanhado de uma pausa para um lanche, onde não faltam as bananas e uns apetitosos bolinhos que deixam o leitor com água na boca.



E como estes são os dias que muitos de nós aproveitam para passear os amigos de 4 patas na praia, pelo meio, Feijão ainda ganha novos amigos. As magníficas ilustrações de Voake transmitem-nos a imensidão do mar e das emoções experienciadas pelo menino. Na praia de enormes dimensões, habitada por pássaros indiferentes ao tempo e pelas poucas pessoas com que se cruzam, o passeio à beira-mar é algo de único. À semelhança dos laços e das cumplicidades entre avó e neto.



Este é um dia que vai ficar na memória do pequeno Feijão. Um dia repleto de emoções, de sensações indizíveis que não caberão todas nas conchas que leva consigo, mas que terão lugar cativo no seu coração. Aventurem-se, a praia é mesmo grande.